O Dia da Consciência Negra foi
marcado na Assembleia Legislativa pelo compromisso da Comissão de Saúde e
Saneamento de enviar documento ao Governo do Estado, solicitando que seja
implantado em Salvador um centro de referência para o tratamento da anemia
falciforme, doença que já atinge 5,5% da população sem que até o momento exista
sequer uma unidade pública de saúde específica para tratamento e acompanhamento
dos pacientes.
O anúncio foi feito ontem pelo
presidente do colegiado, deputado José de Arimatéia (PRB), durante audiência
pública que discutiu o assunto, e depois de ouvir pronunciamento de Ângela
Zaneti, hematologista, doutora em medicina e referência em anemia falciforme na
Bahia.
Segundo informações fornecidas à
Comissão de Saúde por Zaneti, a doença não tem cura. Os portadores deste mal
padecem de fortes e constantes dores e nem mesmo o diagnóstico precoce é capaz
de prevenir os males causados pela doença, uma mutação genética ostentada por
grande maioria da população negra baiana, sobre a qual recai a maior incidência
da anemia falciforme. Nem mesmo exames de sangue de rotina, como hemograma,
acusam a doença. Para ser detectada, é necessário exame
específico.
DESINFORMAÇÃO
Em Salvador, os pacientes são
atendidos pela Fundação Hemoba e pelo Hospital das Clínicas, mas falta mesmo é
um centro de referência sobre a doença. E falta também, completou Ângela Zaneti,
informação, desta vez por parte dos profissionais de saúde que, em grande parte,
procedem diagnóstico errado por inteiro desconhecimento sobre a moléstia. Como
um dos sintomas da anemia falciforme é a icterícia, caracterizada por olhos
amarelos, os médicos costumam confundi-la com hepatite, o que retarda e
atrapalha o tratamento.
Colocando a existência de um
centro de referência e melhor informação médica como as principais necessidades
que envolvem a anemia falciforme na Bahia, a médica lançou ainda, como um bem à
causa, o funcionamento correto do SUS. "No papel ele é perfeito", disse,
argumentando em defesa de uma prática igualmente satisfatória do Sistema Único
de Saúde que em muito favoreceria os doentes.
Hoje, os pacientes desta doença
vivem mais, anunciou Zaneti. Mas o que poderia ser uma boa notícia revela um
lado cruel: quanto maior sobrevida, mais sofrimento e maior necessidade de
cuidados especiais expõem os portadores da anemia falciforme, doença que, além
do mais, é um exemplo de racismo e de exclusão social, segundo a qualificou a
assessora do programa de Promoção da Equidade Racial em Salvador, Sílvia
Augusto, da Secretaria Municipal de Saúde.
Ela disse que a questão da
incidência da anemia falciforme e a falta de um centro de referência para seus
pacientes tornou-se bandeira social "quando se discute a saúde da população
negra" no Brasil. A secretária aponta a quase inexistência de investimentos
neste segmento da saúde pública, em que pesem os avanços dos estudos e pesquisas
e a grande incidência da doença entre os negros brasileiros. "Uma a cada 650
pessoas nascidas vivas é portadora do mal", disse a assistente social, que luta,
com e através do programa de Promoção da Equidade Social, contra "o racismo
institucional" que vigora no país.
A existência do racismo no Brasil,
por sinal, já não é mais questionável, não se discute se ele existe ou não,
disse Sílvia Augusto, afirmando que ele "é uma verdade". No seu pronunciamento
diante da Comissão de Saúde e Saneamento, a secretária municipal reproduziu
falas e pensamentos de personalidades brasileiras que reafirmariam a existência
da segregação racial no país – assunto que predominou na sua participação na
audiência pública –, dentre eles, uma afirmação do ex-ministro de Relações
Exteriores Osvaldo Aranha, para quem seriam necessários a "limpeza e o expurgo"
da raça brasileira.
INVESTIMENTOS
Para ela, o racismo é uma verdade
já fixada "no inconsciente coletivo", que se manifesta de inúmeras e diversas
maneiras. Como, por exemplo, no problema do desemprego, situação que afetaria
12,2% das mulheres negras brasileiras, em detrimento de menor percentual dentre
as brancas. Em apenas um setor, os negros pontuam à frente dos brancos no
Brasil, disse: no programa Bolsa Família, que beneficia 69% de famílias
negras.
Para o presidente da Comissão de
Saúde e Saneamento, José de Arimatéia, a saúde da população negra, em especial a
anemia falciforme, é um problema que precisa ser enfrentado pelos poderes
públicos. Tanto o Governo do Estado quanto as prefeituras municipais tem que
investir em programas de assistência e conscientização da população sobre os
danos causados pela doença, em um processo de mobilização constante. Porque,
advertiu, este é um mal que "cresce a cada dia".